A LEGALIDADE E A FUNÇÃO SOCIAL DOS BINGOS À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA[1]
A LEGALIDADE E A FUNÇÃO SOCIAL DOS BINGOS À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA[1]
EVERTON REGIS DE SANTANA [2]
resumo:
O objetivo principal da pesquisa é desmistificar a ilicitude dos bingos no Brasil, ao tempo que promoverá a apresentação do aspecto legal e a função social da espécie de jogo em tela, sob o fundamento das diretrizes e princípios da ordem econômica e da legalidade, além do aspecto filosófico envolto ao assunto.
A temática é relevante, haja vista os recentes trabalhos das câmeras legislativas no intento da regulamentação e dos inúmeros aspectos sócio-econômicos derivados da proibição da atividade advinda da MP n.168/2004.
Ademais, o trabalho justifica-se pelo escasso material doutrinário concernente ao tema, não obstante, a constante discussão do assunto em diferentes âmbitos sociais e governamentais.
palavras-chave:
Bingos; legalidade e função social; princípios da ordem econômica;
ABSTRACT:
The main objective of the research is to demystify the illegality of bingos in Brazil, while it will promote the presentation of the legal aspect and the social function of the kind of game screen, on the grounds of the guidelines and principles of economic order and legality, and the appearance philosophical surrounded the subject.
The topic is relevant, given the recent work of the cameras in the legislative intent of the legislation and the many socio-economic derivatives of the prohibition of the activity arising from the MP n.168/2004.
Moreover, the work is justified by the scant legal material concerning the subject, however, the constant discussion of this topic in different social and governmental spheres.
KEYWORDS:
Bingo legality and social function; economic order principles
1. Introdução
A análise legal da temática dos bingos perpassa naturalmente pelo estudo da origem do jogo que é. Por definição lexical bingo é um jogo de azar, no qual se empregam cartões com números que os jogadores vão marcando a medida que esses números vão sendo sorteados. No entanto, certamente o léxico não conterá uma conceituação satisfativa, sob a ótica filosófica.
Primeiramente, cumpre imprescindível historicizar a concepção jogo[3] de modo a verificar a ressonância deste no âmbito social. O filósofo Johan Huizinga[4], na obra mais importante do século passado, define jogo como a atividade ou a ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de uma consciência diferente da “vida cotidiana”.
É cristalino inferir que o jogo nada mais do que uma necessidade individual, independente de época e momento histórico, uma característica inerente a animalidade do homem, bem como aos animais propriamente ditos. O jogo é o escapismo natural dos seres humanos, propagador de um ambiente imaginário ou lúdico de modo consciente e, sobretudo, voluntário. Johan Huizinga[5] assim compõe o pensamento em voga:
Ornamenta a vida, ampliando-a, e nessa medida torna-se uma necessidade tanto para o individuo, como função vital, quanto para a sociedade, devido ao sentido que encerra, à sua significação, a seu valor expressivo, a suas associações espirituais e sociais, em resumo como função cultural. Dá satisfação a todo o tipo de ideais comunitários.
A partir dos pressupostos levantados é possível afirmar que o jogo detém cunho cultural e, indubitavelmente, impregnado de função social. Podemos elencar como benefícios do jogo o lazer e o prazer. A disposição para o jogo provém justamente da vontade em se teletransportar para outro cenário, o lazer almejado é conquistado pelo subterfúgio do lúdico. Inerente ao status anterior, o prazer na víspora surge pelo aspecto tenso que caracteriza o jogo; o desafio, a competição, o desafio, sempre dão prazer para os seus praticantes. Importante salientar que o individuo não almeja o prazer do jogo como extirpação da necessidade individual, a lacuna a ser preenchida é o mundo paralelo proporcionado pelo jogo, por isso que se pode afirmar que o jogo, seja qualquer um, não vicia o individuo, apenas reflete o grau de necessidade deste na busca de refúgio da vida cotidiana.
Portanto, o jogo detém notória função social, sendo expressão cultural, extensão individual sedimentadora da dignidade da pessoa humana e por esse motivo deve ser protegido pelo Estado. Posto o aspecto filosófico, passaremos a compor a temática com os dois outros sustentáculos do tripé da tese ora sustentada, a legalidade e a interpretação consoante aos princípios da ordem econômica.
2 - História do Bingo no Mundo
Relevante, anteriormente a análise legal e jurídica, promover o conhecimento do surgimento dos bingos no contexto um mundial para se afastar das concepções pejorativas do seu uso e finalidade.
O bingo tem origem na política italiana, precisamente na cidade de Genova, no noroeste da Itália, no fim da Idade Média. Na cidade em tela havia um costume de se substituírem periodicamente os membros dos conselhos políticos locais através de sorteios, realizados da seguinte forma; os nomes dos políticos eram colocados em bolas, as quais eram retiradas em uma urna.
O bingo conhecido atualmente é uma evolução da prática supracitada ao transcorrer dos séculos, sendo a difusão apanhado primeiramente a Europa e, mais tarde a América. No entanto, a profissionalização dos bingos dar-se-à no século XX e por um motivo inusitado, o bingo era utilizado nos Estados Unidos para arrecadar fundos para obras, principalmente religiosas.
A prática amadorística se realizou até meados da década de 1960. Remete a Inglaterra a primeira legislação mundial para regulamentar o respectivo jogo. A iniciativa prontamente ganhou novos adeptos, haja vista a lucratividade do empreendimento e o baixo custo em sua instalação. Na Europa, foram construídos luxuosos salões para atrair praticantes e atualmente, a Espanha é líder mundial no número de estabelecimentos deste tipo, criando inclusive um novo sistema de numeração, de 1 a 90, substituindo o antigo com 75 números, adotado pelo Brasil.
2.1 - História dos Bingos no Brasil
A administração e a pratica do Desporto no Brasil durante muito tempo[6], era tratada e vinculada ao Ministério da Educação. Em 1990 o Governo Collor, extingue a Secretaria ligada ao Ministério da Educação e cria a Secretaria de Desportos da Presidência da República, uma secretara com status de Ministério, ligada diretamente ao Presidente da República, a direção desta secretaria foi assumida pelos Arthur Antunes Coimbra - Zico (março/91 a abril/91) e Bernard Rajzman - Bernard do Vôlei (abril/91 a outubro/92).
Com a necessidade de obter recursos financeiros para o desenvolvimento do Desporto, e sem poder criar leis de incentivo fiscal, que no final diminuiriam a receita do governo, a solução encontrada foi à criação de uma atividade que revertesse parte de sua arrecadação diretamente para o esporte. E foi assim que surgiu a idéia do Bingo, com a exploração da atividade, seria criada uma fonte de recursos para o desenvolvimento do esporte e com a vantagem dos recursos poderem ser revertidos diretamente para os clubes, que são a base do esporte, pois são os formadores dos atletas.
Com a criação de uma nova atividade empresarial, seriam criados também, novos postos de empregos, e uma grande fonte de receita fiscal para o governo, pois, além dos impostos incidentes sobre todas as atividades ainda havia a incidência do imposto de renda retido na fronte sobre a premiação.
E neste sentido, o Secretário de Esportes Arthur Antunes Coimbra (Zico), apresentou um projeto que acabou transformando-se na Lei Federal nº 8.672 de 06 de julho de 1993, instituindo a modalidade de bingo permanente, bingo eventual e similares, como fonte de recursos financeiros para aplicação no fomento do desporto.
No Decreto nº 981 de 11 de novembro de 1993 ficou estabelecido que a União poderia firmar convênios com os estado, para que estes, através de suas Secretarias da Fazenda, pudessem em seu lugar, Credenciar as entidades desportivas e autorizar o funcionamento das casas de bingo, sendo o Estado de São Paulo o pioneiro no quando da edição do decreto n° 39.387/94..
Após a saída do Presidente Collor, o esporte voltou a ser vinculado ao Ministério da Educação, através da Secretaria de Desportos. Em 1995, o governo Fernando Henrique Cardoso, sentido a necessidade de dar mais importância ao esporte, criou o Ministério de Estado Extraordinário do Esporte e foi nomeado como Ministro Edson Arantes do Nascimento - Pelé (1995 a 1998), cabendo à Secretaria de Desportos do Ministério da Educação prestar o apoio técnico e administrativo.
Em março do mesmo ano, a Secretaria de Desportos do Ministério da Educação é transformada em INDESP - Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto, este passa a ser desvinculado do MEC e fica subordinado ao Ministério Extraordinário do Esporte.
Com a necessidade de introduzir aprimoramentos na legislação esportiva o então Ministro Edson Arantes do Nascimento (Pelé) apresentou um projeto de uma nova legislação para tratar do esporte, que se transformou na lei federal nº 9.615 de 24 de março de 1998 (Lei Pelé).
Nesta nova Lei a União delegava ao Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto - INDESP, ou aos Estados conveniados, a função de Credenciar as Entidades Desportivas, Autorizar as Casas de Bingo e Fiscalizar seu funcionamento.
O INDESP baixou a portaria nº 104 de 14 de outubro de 1998, que dispunha como o vídeo bingo deveria operar, agora com a denominação de Maquinas Eletrônicas Programadas – MEP, e a portaria nº 118 de 06 de novembro de 1998, que dispunha como deveriam ser os atos e procedimentos internos relacionados à autorização para a exploração de jogos de Bingo Permanente e Eventual, bem como das Prestações de Contas.
Em 31 de dezembro de 1998, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, sentindo mais uma vez a importância do esporte para a sociedade, o governo decide retirar o titulo de “extraordinário” do Ministério Extraordinário do Esporte e através da Medida Provisória n° 1.794-8 cria o Ministério de Esporte e Turismo. O INDESP passa a ser vinculado ao novo Ministério e passa a ter a atribuição de, credenciar as Entidades Desportivas, autorizar o funcionamento das salas de Bingo e fiscalizar a Atividade.
No ano de 1999, devido ao grande numero de processos e a falta de estrutura da autarquia para fazer a análise dos processos de Credenciamento e Autorização, o INDESP baixa a portaria nº 07 suspendendo a análises dos processos de autorização, suspensão esta que foi mantida por quase todo o período em que a autarquia estava a frente do Credenciamento, Autorização e Fiscalização dos Bingos, e somente eram analisados os processos e emitindo os certificados dos bingos que conseguiam decisões judiciais obrigando o INDESP a fazê-lo.
Devido à falta de estrutura no INDESP, para proceder à análise dos processos de credenciamento e autorização, o governo federal edita a Medida Provisória 1926 de 22/10/99 criando a Taxa de Autorização do Bingo - TABINGO, uma taxa de R$ 6.000,00 mensais a ser paga por bingo, para que o INDESP pudesse criar a estrutura necessária para analisar os processos de Credenciamento e Autorização.
Após o INDESP estar a 6 meses recebendo a TABINGO, e mesmo assim não conseguindo criar a estrutura necessária para normalizar a analise dos processos, o Governo Federal na reedição da MP 1926/99 de nº 2011-6 acaba com a TABINGO, mantendo no INDESP somente o Credenciamento das Entidades Desportivas e passando para a Caixa Econômica Federal a responsabilidade de Autorizar o Funcionamento dos Bingos e Fiscalizar a Atividade.
Devido a essa quase paralisação do INDESP foram surgindo denuncias que acabaram com a instauração de uma CPI.
Surge das discussões do Congresso Nacional a Lei Maguito que transformou em lei o que previa a medida provisória nº 1926 e manteve o credenciamento no INDESP e passou para a Caixa a responsabilidade de autorizar e fiscalizar os bingos, e através de um vacatio legis, previa para 31 de dezembro de 2001 a revogação dos artigos 59 à 81 da lei nº 9.615 (lei Pelé), justamente os artigos que tratavam do bingo.
Em 2000, com o advento da publicação da medida provisória nº 2.049 extingue o Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto - INDESP, transferindo à Caixa Econômica Federal todas as atribuições referentes ao bingo.
Em outubro de 2000, é criada a Secretária Nacional de Esporte, para substituir o INDESP. Sendo que em 14 de novembro de 2000 é publicado o decreto federal nº 3.659, em que define a exploração de jogos de bingo, como serviço público, e de competência da União e que será executada direta ou indiretamente pela Caixa Econômica Federal em todo território Nacional, este decreto passa para Caixa Econômica Federal todas as responsabilidades sobre os bingos.
Em 06 de dezembro de 2000 a Caixa Econômica Federal, através da Gerencia Nacional de Bingos – GENAB, divulga a circular Caixa 202/00, para regulamentar como deveria ser a transição do INDEP par CAIXA dando um prazo de até 06 de fevereiro de 2001 para a adequação dos bingos as novas regras.
Em 06 de fevereiro de 2001 a Caixa Econômica Federal, publica no Diário Oficial da União a circular CAIXA 210, que previa como deveriam ser os procedimentos para autorização, prestação de contas, fiscalização e as regras de funcionamento dos bingos.
Em 16 de julho de 2001 através da Lei nº 10.264, Lei Piva o bingo além do 7%, passa a reverter mais 2% de sua arrecadação para o fomento do desporto olímpico.
Em janeiro de 2003, na Mensagem de Posse ao Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixa claro a sua intenção de contar com o Bingo como fonte de desenvolvimento do esporte voltado para a área social.
Em 01 de outubro de 2003 o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva edita um decreto formando um Grupo de Trabalho Interministerial – GTI, para estudar uma nova proposta para a regulamentação dos bingos.
Na abertura dos trabalhos do congresso Nacional em 2004 em uma 2ª Mensagem ao Congresso Nacional, mais uma vez o Presidente da Republica Luiz Inácio Lula da Silva, volta a deixar claro que pretende criar nova regulamentação para o setor, no sentido de organizar a atividade para passar a reverter verbas para o Desporto Social do Governo.
Esta segunda mensagem foi encaminhada e lida no Congresso Nacional pelo Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da Republica o José Dirceu de Oliveira e Silva, em 17 de fevereiro de 2004.
Para surpresa geral e em tempo recorde o Governo federal edita a MP 168/04 que extirpou com a atividade dos bingos, e assim distanciando os holofotes da crise gerada pelo escândalo Waldomiro Diniz[7]. A MP 168/04, foi decidida, redigida e assinada entre as 10 h e as 23 h da sexta-feira de Carnaval dia 20/02/04 e publicada em uma edição extra do Diário Oficial da União desta mesma Sexta Feira de Carnaval dia 20/02/04, num ato claro de desespero para conter a crise que se abatia sobre o Governo Federal mais especificamente sobre a Casa Civil, haja plástica para José Dirceu se esconder...
Atualmente existem vários Projetos de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal prevendo a regulamentação da atividade, e recentemente, o PL 2254/2007 foi aprovado no sentido da regulamentação.
3 – O princípio da legalidade e os princípios da ordem econômica
3.1 – Principio da Legalidade
Afirma o inciso II do art. 5° da CF que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Trata-se do princípio da legalidade, base direta da própria noção de Estado Democrático de Direito[8], implantada com o advento do constitucionalismo, porquanto acentua a idéia de “governo das leis”, expressão da vontade geral, e não mais “governo dos homens”, em que tudo se decidia ao sabor da vontade de um governante.
No que concerne ao poder público, o conteúdo do principio da legalidade toma outra forma. Consagra a idéia de que o Estado se sujeita às leis e, ao mesmo tempo, de que governar é atividade cuja realização exige a edição das leis (governo sub lege e per lege), tem como corolário a confirmação de que o Poder Público não pode atuar, nem contrariamente às leis, nem na ausência de lei.
Uma vez revelado o caráter do principio da legalidade torna-se perceptível, junto com uma interpretação histórica dos bingos no Brasil, a falta de legislação concernente a atividade retromencionada. Os bingos eram uma das hipóteses de jogo de azar previsto pela Lei de Contravenções Penais, sendo sua atividade proibida. No entanto, com o advento da Lei Zico e, pouco depois, a Lei Pelé, o bingo se tornou lícito. Da exposição acima é fácil perceber que houve revogação tácita do art. 50 da Lei de Contravenções Penais, por conteúdo notoriamente adverso, LICC art. 2 § 2°, e promoção do fenômeno jurídico da repristinação condenado pela Lei de Introdução ao Código Civil art. 2 § 3°.
A supracitada Medida Provisória beira a teratologia jurídica. Em primeiro lugar, não preenche os requisitos constitucionais para a promulgação de medida provisória. Apesar de o art. 62, caput, da CF respaldar o Presidente da República na adoção de medidas provisórias, sendo este ato discricionário, é necessário preencher os requisitos de relevância e urgência. Ademais discricionariedade não deve ser tida como liberdade do agente público em adotar medida conveniente a sua consciência, mas sim ato conveniente e oportuno observador do interesse público e cujo objetivo seja o bem comum. E sendo assim, torna-se límpido a inconstitucionalidade da MP 168/04, pois inobserva os ditames da relevância e urgência e o ofende de sobremaneira ao principio da moralidade administrativa, cabe ao Poder Judiciário reparar as devidas arestas.
Conforme salientou o Ministro Celso de Mello[9]:
os pressupostos de urgência e relevância, embora conceitos jurídicos relativamente indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos, ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário, porque compõe a própria estrutura constitucional que disciplina as medidas provisórias, qualificando-se como requisitos legitimadores e juridicamente condicionantes do exercício, pelo Chefe do Poder Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorgada, extraordinariamente, pela Constituição da República.
Não obstante, a MP 168/04 é também inconstitucional por inobservância do art. 62, § 1.°, inciso I, letra b. É vedado edição de medidas provisórias sobre matéria de direito penal, entretanto a dita cuja versa justamente sobre esta matéria, vez que torna a atividade do bingo uma contravenção penal.
Cabe aos prejudicados com a proibição de suas atividades, sob o legado da inafastabilidade de jurisdição, adentrar com as respectivas ações, seja o mandado de segurança, posto o atentado contra direito líquido e certo, seja com a Ação de Inconstitucionalidade. Importante papel cabe aos magistrados em se desvencilhar das pressões políticas e econômicas erigidas pelo Poder Público e aplicar os ditames constitucionais em prol da restituição da justiça.
3.2 – Princípios da Ordem Econômica
A lacuna legislativa, como vimos, per si, não revela a ilicitude da atividade. Os argumentos utilizados pelo Presidente Lula na época da promulgação da medida provisória 168/04 de que os bingos eram sonegadores fiscais, foco de lavagem de dinheiro e reduto do crime organizado é falácia, sendo que estas duas últimas premissas bem que pode caber ao Poder Público Federal. Não cabe o Poder Público extirpar a atividade econômica por ilegalidade deduzida de seus agentes, compete ao Estado fiscalizar a destinação dos recursos auferidos pela atividade, bem como o modus operandi, mas jamais eliminar todo um circuito econômico. Repito cabe ao Estado tutelar a atividade econômica, pois somente esta é produtora de riquezas para o Estado, este, infelizmente em nosso país, é apenasmente o perdulário destas.
Como bem dissemos no intróito o jogo detém uma função social e, por conseguinte, merece o resguardo do Estado ainda que somente por esta razão, posto ser extensão do individuo da prática cultural. Não obstante, existem outras razões para a proteção dos bingos. O art. 170 da CF prevê os princípios gerais da ordem econômica entre eles o da livre iniciativa e a da função social da propriedade.
A livre iniciativa se baseia, pela inteligibilidade do parágrafo único do art. 170 cominado com o art. 1°, IV da CF, na proteção do livre exercício da atividade econômica, independente de autorizações de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Na hipótese em tela, como vimos, existe uma lacuna legislativa e que de modo algum deve ser preenchido com a MP 168/04, pelos motivos já aduzidos.
A propriedade cumpre sua função social quando é propagadora do bem estar da coletividade, de seus trabalhadores, cumpridor da carga fiscal e mantenedora do meio ambiente ecologicamente equilibrado. É notório que os bingos como atividade econômica que era cumpria relevante papel no seio social, seja pelo considerável número de postos de trabalhos que empregava ou mesmo viabilizando a necessidade individual do jogo.
Segundo dados da ABRABIN (Associação Brasileira dos Bingos)[10] cerca de 100 mil pessoas perderam o emprego com a proibição gatuna do governo Lula.
Os bingos eram atividades comerciais registradas, conforme entrevista concedida pelo jurisconsulto Miguel Reale Jr.[11]:
com autorizações municipais de funcionamento, recolhimento de impostos, empregados registrados. Ou seja, se houver alguma ilegalidade, pode ser específica em infrações tributárias ou trabalhistas, nunca contra a atividade em sei. E sei que a grande maioria dos associados da Abrabin tem absoluta regularidade em seu funcionamento, seja no campo tributário ou trabalhista. O que existe é um vazio legislativo, que não importa em reconhecimento de ilicitude da atividade, sendo necessário que exista regulamentação até mesmo para que cumpra um beneficio de ordem social.
Não obstante, o caráter benévolo do bingo se revela novamente no quando da percepção da destinação parcial de suas receitas para a assistência social e à prática esportiva e por ser uma atividade regular, com inscrição em juntas comerciais, no CNPJ, além de ser uma atividade econômica que suporta um elevado número de impostos e por conseqüência produtor de divisas para o Estado. Portanto, compete ao Poder Público respeitar os preceitos constitucionais e regulamentar a atividade dos bingos a fim de propiciar a retomada da execução da função social desse setor.
4. Perspectivas e Conclusão
A viabilidade da atividade do jogo de bingo só ocorrerá plenamente com a regulamentação do Poder Publico, no entanto com o auxilio do Poder Judiciário a ilicitude pode sendo elidida aos poucos com sentenças ressonantes com os ditames da Carta Magna. Cabe o operador do direito a árdua tarefa, diria quixotesca, de promover a defesa das individualidades lesadas e insuflação, por via indireta, das agremiações sociais promotoras do interesse coletivo, através de campanhas na sociedade organizada e junto aos sindicatos dos trabalhadores.
Conforme defendemos o bingo é legal e detém função social e por isso mesmo deve ser tutelado pelo Estado, esta tese foi a que procuramos promover no artigo cientifico em tela. A legalidade dar-se pela lacuna legislativa, posto a inconstitucionalidade da MP 168/04 e pelo óbice trazida na Lei de Introdução ao Código Civil art. 2 § 3° do fenômeno da repristinação. Já a função social dos bingos é petrificado na inteligibilidade dos princípios da ordem econômica pertinentes, quais sejam, a livre iniciativa e a função social da propriedade, e pela razão filosófica de ser o jogo uma necessidade individual de qualquer animal em busca de um refugio à vida cotidiana, uma autêntica expressão cultural da humanidade.
Por estas razões a atividade do bingo deve ser respaldada pelo Estado, conforme ocorre em diversos países pelo mundo, e ao invés de se utilizar falsas premissas e legislar em sentido da proibição, seja reconhecido à importância econômico-cultural dos bingos com a respectiva regulamentação do setor. O que não pode continuar ocorrendo é o painel atual, os jogos são ofertados na internet e os tributos são deixados de ser recolhidos por letargia legiferante de nosso Congresso.
Atualmente o Congresso Nacional engatinhou os primeiros passos nesse sentido ao aprovar o projeto de lei 2254/2007, cujo relator é o deputado Regis de Oliveira, favorável a regulamentação dos bingos e outros tipos de jogos no Brasil. Enfim, espera-se a aprovação do respectivo projeto para que a lacuna legislativa deixe de existir e que a criação seja de empregos e renda e não de mentiras e manobras políticas, pois o lúdico a ser exercido é através do jogo em prol de uma função social e nunca da sandice Lulática em favor de seus aliados políticos.
5 – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ALEXANDRINO, Marcelo, PAULO, Vicente. DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO. Editora Impetus. São Paulo, 4. Ed., pág. 111 e 112.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022: informação e documentação: artigo em publicação periódica científica impressa: apresentação. Rio de Janeiro, 2003. 5 p.
FAIGLE, Marcel Nascimento. Loterias e bingos. Direitonet. Disponível em: www.direitonet.com.br. Acesso em 16 set. 2009
HUINZINGA, Johan. HOMO LUDENS. Editora Perspectiva. São Paulo, 2001, 5°ed, pág 12 e 33.
MIRANDA, Henrique Savonitti. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. Editora do Senado Federal. Brasília. 2007. 5.ed, pág. 656.
OLIVEIRA, Hélder B. Paulo de. Bingo não é ilegal. Medida Provisória nº 168/2004. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 232, 25 fev. 2004. Disponível em: www.jusnavigandi.com.br. Acesso em: 10 set. 2009.
SENADO FEDERAL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, n. 121, 2008.
[1] Parte da avaliação da disciplina Direito Econômico ministrada pela Professora Fernanda Viana.
[2] Graduando do 8° semestre do Curso de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz, turno matutino.
[3] A terminologia jogo será usada nesse trabalho cientifico como sinônimo de bingo, vez que o último seja espécie do primeiro.
[4] HUINZINGA, Johan. Homo Ludens.São Paulo, 2001, 5° Ed, pág. 33.
[5] HUINZINGA, Johan. Homo Ludens.São Paulo, 2001, 5° Ed, pág. 12.
[6] Fragmento retirado do site https://www.villasboas.com.br/. Acessado em 20/09/2009.
[7]https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u58216.shtml. Indispensável para entender o caso.
[8] ALEXANDRINO, Marcelo, PAULO, Vicente. DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO. São Paulo, 4. Ed., pág. 111.
[9] ADIMC 4.048-1 DF, rel. Min. Gilmar Mendes. 14.05.2008
[10] Site da ABRABIN. www.abrabin.com.br
[11] Site www.gamesmagazine.com.br/G38/materias.asp?p=16. Acessado em 22/09/2009.